
Casada e Sozinha
Ela quase implora, mas ele não topa o programa. Ela quer conversar, ele é monossilábico
Fabiana, 53 anos, está casada há 30. Desde que os filhos saíram de casa (e ela e o marido passaram a morar sozinhos) ficou mais difícil negar o que durante tanto tempo não quis aceitar: a sua solidão. Eles vivem numa casa confortável, mas seu marido, aposentado, passa quase o dia todo trancado no escritório. “É desesperador. Quando tento puxar assunto, ele só responde por monossílabos. Só se dirige a mim para reclamar de alguma coisa de que não gostou na comida ou na arrumação. Agora, se eu precisar ir ao médico ele me leva e fica no carro esperando. Nunca me procura para fazer sexo. Eu adoro sair, tomar um chope... fazer qualquer coisa, mas sempre que proponho irmos a um teatro ou cinema ele diz que está cansado. Noutro dia resolvi que ia sem ele. Convidei a minha irmã para sair comigo. Você acredita que, enquanto eu esperava a minha irmã passar de carro para me pegar, o vi saindo de carro?”
A primeira coisa que você deve estar se perguntando é: Por que Fabiana não se separa do marido? Sem dúvida seria uma saída, mas as coisas não são tão simples assim. As pessoas têm medo de se separar. Medo de ficar só, do desamparo, de sentir falta do outro, de não encontrar um novo amor, de não conseguir se sustentar, de se sentir jogadas fora. “As pessoas não se separam por estupidez, medo, compaixão. Se forem religiosas, aí a estupidez impera. Porque a religião não resolveu ainda esse problema. Deus abençoa e você tem que morrer com aquela pessoa ali, do seu lado, te fazendo mal. O medo talvez seja o maior empecilho. Medo do que as pessoas vão dizer, medo de assumir o fracasso, derecomeçar.”, afirma o escritor Luís Daltro.
O caso da Fabiana é bastante comum. Há algum tempo, atendi no consultório um grupo de dez mulheres que se reuniam por uma questão específica: a solidão. As idades variavam de 35 a 55 anos. Oito eram casadas, uma separada e uma viúva. Apesar de expressarem o desejo de um companheiro estável, ficou evidente como as vidas das que viviam sozinhas eram mais interessantes e cheias de possibilidades em comparação com as das mulheres casadas. Estas se mostravam desesperançadas, sentiam-se impotentes para tentar qualquer transformação que pudesse lhes proporcionar algum prazer no plano afetivo e sexual. A monotonia, a falta de diálogo com o marido e a ausência de uma vida sexual satisfatória eram a tônica de suas queixas.
Entretanto, na busca de segurança afetiva, qualquer preço é pago para evitar tensões decorrentes de uma vida autônoma. Por medo da solidão as pessoas suportam o insuportável tentando manter a estabilidade do vínculo, e não raro se tornam dois estranhos ocupando o mesmo espaço físico. Como mecanismo de defesa, surge a tendência a não se pensar na própria vida. Tenta-se acreditar que casamento é assim mesmo. Aí é que reside o perigo. Se a pessoa não tomar coragem e sair fora, vai viver exatamente o mesmo que um sapo desatento. Uma fábula conta que se um sapo estiver em uma panela de água fria e a temperatura da água se elevar lenta e suavemente, ele nunca saltará. Será cozido. Mas, afinal, por que se teme tanto a solidão?
O historiador inglês Theodore Zeldin afirma que o medo da solidão assemelha-se a uma bola e uma corrente que, atados a um pé, restringem a ambição, são obstáculos à vida plena, tal e qual a perseguição, a discriminação e a pobreza. Se a corrente não for quebrada, para muitos a liberdade continuará um pesadelo. Segundo ele, a crença mais gasta, pronta para a lixeira, é que os casais não têm em quem confiar salvo neles próprios, o que é tão infundado quanto a crença de que a sociedade condena os indivíduos à solidão.
Não há dúvida de que o medo da solidão é responsável por muitas opções equivocadas de vida. Fazemos qualquer coisa para nos sentir aconchegados e protegidos através da relação com outra pessoa, tentando nos convencer de que assim não seremos mais sozinhos. A ideia, tão valorizada e difundida pelo amor romântico, de que devemos buscar um parceiro que nos complete só contribui para que não enxerguemos o óbvio: a solidão é uma das nossas características existenciais.
Há algum tempo, pensando no medo que a possibilidade de solidão provoca, resolvi perguntar a algumas pessoas como viam a solidão no casamento:
Eva Wilma (atriz): “Muitas pessoas se esforçam para manter o casamento, mesmo quando insatisfatório, porque ficam esperando que um dia melhore, porque foram educadas para ‘engolir sapo’, porque não têm coragem para enfrentar mudanças.”
Rose Marie Muraro (escritora): “A maioria das mulheres casadas há 20, 30 anos, é extremamente sozinha. Elas são muito frustradas porque não se relacionam em profundidade com seus maridos.”
Léo Jaime (cantor, compositor e ator): “Acho que existe uma maneira errada de se contabilizar o amor. A idéia é de que a duração representará a profundidade do vínculo ou a capacidade individual e o investimento que os dois fizeram ali é a que mais se apresenta. Por outro lado, as emoções são atemporais: uma cena de 5 segundos pode ser a razão de uma vida, enquanto anos de namoro podem redundar no mais parvo andar em círculos, um único e longo momento de chatice. O amor poderia ensinar mais, se não tentássemos domesticá-lo e curtíssemos o instante do gozo e da risada, os maiores perpetuadores de algum sentido existencial.”
Sílvio Tendler (cineasta): “Às vezes as pessoas chegam a certa idade e têm medo de mudanças, medo de encarar essa questão. Quando as pessoas se amam de verdade, elas também amam a liberdade. Muitas vezes a gente massacra a liberdade do outro por se sentir prisioneiro da mesma situação. ‘Já que estou prisioneiro aqui, ele (a) também vai estar’. Mas isso não é amor.”
Marina Colasanti (escritora): “Um dos elementos que causam a solidão dentro do casamento é que as pessoas evoluem em direções tão opostas que de repente uma não tem nada mais a ver com a outra. Eventualmente até transam, mas a transa nem sempre configura intimidade. Ou podem se afastar quando um dos dois se volta muito para si. Isso é comum acontecer com os velhos. Sempre se diz que a velhice traz sabedoria, mas é mentira. Temos que lutar para melhorar com a idade, porque a tendência é a gente ir piorando.”
Leda Nagle (jornalista e apresentadora): “Muita gente se esforça para manter o casamento porque é uma garantia de vida, porque as pessoas não gostam de fazer mudanças, por preguiça, por medo da solidão, porque ouvimos nossas mães e avós dizerem: ‘Antes mal acompanhada do que só’”.
Concordo também com o psicoterapeuta e escritor Roberto Freire que diz não ter dúvida de que risco é sinônimo de liberdade e que o máximo de segurança é a escravidão. Ele acredita que a saída é vivermos o presente através das coisas que nos dão prazer. A questão, diz ele, é que temos medo, os riscos são grandes e nossa incompetência para a aventura nos paralisa. Entre o risco no prazer e a certeza no sofrer, acabamos sendo socialmente empurrados para a última opção.
Ela quase implora, mas ele não topa o programa. Ela quer conversar, ele é monossilábico
Fabiana, 53 anos, está casada há 30. Desde que os filhos saíram de casa (e ela e o marido passaram a morar sozinhos) ficou mais difícil negar o que durante tanto tempo não quis aceitar: a sua solidão. Eles vivem numa casa confortável, mas seu marido, aposentado, passa quase o dia todo trancado no escritório. “É desesperador. Quando tento puxar assunto, ele só responde por monossílabos. Só se dirige a mim para reclamar de alguma coisa de que não gostou na comida ou na arrumação. Agora, se eu precisar ir ao médico ele me leva e fica no carro esperando. Nunca me procura para fazer sexo. Eu adoro sair, tomar um chope... fazer qualquer coisa, mas sempre que proponho irmos a um teatro ou cinema ele diz que está cansado. Noutro dia resolvi que ia sem ele. Convidei a minha irmã para sair comigo. Você acredita que, enquanto eu esperava a minha irmã passar de carro para me pegar, o vi saindo de carro?”
A primeira coisa que você deve estar se perguntando é: Por que Fabiana não se separa do marido? Sem dúvida seria uma saída, mas as coisas não são tão simples assim. As pessoas têm medo de se separar. Medo de ficar só, do desamparo, de sentir falta do outro, de não encontrar um novo amor, de não conseguir se sustentar, de se sentir jogadas fora. “As pessoas não se separam por estupidez, medo, compaixão. Se forem religiosas, aí a estupidez impera. Porque a religião não resolveu ainda esse problema. Deus abençoa e você tem que morrer com aquela pessoa ali, do seu lado, te fazendo mal. O medo talvez seja o maior empecilho. Medo do que as pessoas vão dizer, medo de assumir o fracasso, derecomeçar.”, afirma o escritor Luís Daltro.
O caso da Fabiana é bastante comum. Há algum tempo, atendi no consultório um grupo de dez mulheres que se reuniam por uma questão específica: a solidão. As idades variavam de 35 a 55 anos. Oito eram casadas, uma separada e uma viúva. Apesar de expressarem o desejo de um companheiro estável, ficou evidente como as vidas das que viviam sozinhas eram mais interessantes e cheias de possibilidades em comparação com as das mulheres casadas. Estas se mostravam desesperançadas, sentiam-se impotentes para tentar qualquer transformação que pudesse lhes proporcionar algum prazer no plano afetivo e sexual. A monotonia, a falta de diálogo com o marido e a ausência de uma vida sexual satisfatória eram a tônica de suas queixas.
Entretanto, na busca de segurança afetiva, qualquer preço é pago para evitar tensões decorrentes de uma vida autônoma. Por medo da solidão as pessoas suportam o insuportável tentando manter a estabilidade do vínculo, e não raro se tornam dois estranhos ocupando o mesmo espaço físico. Como mecanismo de defesa, surge a tendência a não se pensar na própria vida. Tenta-se acreditar que casamento é assim mesmo. Aí é que reside o perigo. Se a pessoa não tomar coragem e sair fora, vai viver exatamente o mesmo que um sapo desatento. Uma fábula conta que se um sapo estiver em uma panela de água fria e a temperatura da água se elevar lenta e suavemente, ele nunca saltará. Será cozido. Mas, afinal, por que se teme tanto a solidão?
O historiador inglês Theodore Zeldin afirma que o medo da solidão assemelha-se a uma bola e uma corrente que, atados a um pé, restringem a ambição, são obstáculos à vida plena, tal e qual a perseguição, a discriminação e a pobreza. Se a corrente não for quebrada, para muitos a liberdade continuará um pesadelo. Segundo ele, a crença mais gasta, pronta para a lixeira, é que os casais não têm em quem confiar salvo neles próprios, o que é tão infundado quanto a crença de que a sociedade condena os indivíduos à solidão.
Não há dúvida de que o medo da solidão é responsável por muitas opções equivocadas de vida. Fazemos qualquer coisa para nos sentir aconchegados e protegidos através da relação com outra pessoa, tentando nos convencer de que assim não seremos mais sozinhos. A ideia, tão valorizada e difundida pelo amor romântico, de que devemos buscar um parceiro que nos complete só contribui para que não enxerguemos o óbvio: a solidão é uma das nossas características existenciais.
Há algum tempo, pensando no medo que a possibilidade de solidão provoca, resolvi perguntar a algumas pessoas como viam a solidão no casamento:
Eva Wilma (atriz): “Muitas pessoas se esforçam para manter o casamento, mesmo quando insatisfatório, porque ficam esperando que um dia melhore, porque foram educadas para ‘engolir sapo’, porque não têm coragem para enfrentar mudanças.”
Rose Marie Muraro (escritora): “A maioria das mulheres casadas há 20, 30 anos, é extremamente sozinha. Elas são muito frustradas porque não se relacionam em profundidade com seus maridos.”
Léo Jaime (cantor, compositor e ator): “Acho que existe uma maneira errada de se contabilizar o amor. A idéia é de que a duração representará a profundidade do vínculo ou a capacidade individual e o investimento que os dois fizeram ali é a que mais se apresenta. Por outro lado, as emoções são atemporais: uma cena de 5 segundos pode ser a razão de uma vida, enquanto anos de namoro podem redundar no mais parvo andar em círculos, um único e longo momento de chatice. O amor poderia ensinar mais, se não tentássemos domesticá-lo e curtíssemos o instante do gozo e da risada, os maiores perpetuadores de algum sentido existencial.”
Sílvio Tendler (cineasta): “Às vezes as pessoas chegam a certa idade e têm medo de mudanças, medo de encarar essa questão. Quando as pessoas se amam de verdade, elas também amam a liberdade. Muitas vezes a gente massacra a liberdade do outro por se sentir prisioneiro da mesma situação. ‘Já que estou prisioneiro aqui, ele (a) também vai estar’. Mas isso não é amor.”
Marina Colasanti (escritora): “Um dos elementos que causam a solidão dentro do casamento é que as pessoas evoluem em direções tão opostas que de repente uma não tem nada mais a ver com a outra. Eventualmente até transam, mas a transa nem sempre configura intimidade. Ou podem se afastar quando um dos dois se volta muito para si. Isso é comum acontecer com os velhos. Sempre se diz que a velhice traz sabedoria, mas é mentira. Temos que lutar para melhorar com a idade, porque a tendência é a gente ir piorando.”
Leda Nagle (jornalista e apresentadora): “Muita gente se esforça para manter o casamento porque é uma garantia de vida, porque as pessoas não gostam de fazer mudanças, por preguiça, por medo da solidão, porque ouvimos nossas mães e avós dizerem: ‘Antes mal acompanhada do que só’”.
Concordo também com o psicoterapeuta e escritor Roberto Freire que diz não ter dúvida de que risco é sinônimo de liberdade e que o máximo de segurança é a escravidão. Ele acredita que a saída é vivermos o presente através das coisas que nos dão prazer. A questão, diz ele, é que temos medo, os riscos são grandes e nossa incompetência para a aventura nos paralisa. Entre o risco no prazer e a certeza no sofrer, acabamos sendo socialmente empurrados para a última opção.
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